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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Esporte e arte na Inglaterra do século XVIII

Na Inglaterra, em 1688, depois de anos de tensões, nas quais a questão religiosa foi central, James II é deposto e substituído por Guilherme de Orange, casado com a filha do antigo rei, Maria II, que assumiu, conjuntamente com seu marido, o trono. Com a assinatura da Declaração de Direitos, que fora aprovada no Parlamento, encerra-se o Absolutismo Inglês.




Rainha Maria II
Depois da Revolução Gloriosa, burgueses e proprietários de terra foram alçados ao controle do poder, representados por um Parlamento que passa a submeter a Coroa. Esse pioneirismo vai criar as condições econômicas e culturais para que o capitalismo possa se desenvolver; a Inglaterra será a ponta de lança da Revolução Industrial.

Nesse cenário, na Inglaterra do século XVIII precocemente se estabeleceu a configuração do lazer, a nova dinâmica da diversão no âmbito da modernidade. Esse contexto sociocultural, em grande medida, nos permite entender o desenvolvimento pioneiro do esporte, algo que esteve claramente representado nas obras de arte do momento. Vejamos, por exemplo, “Um dia esportivo em Bidston Hill” (1865), de William Davis.


Óleo sobre tela, 30,1 x 40,1 cm. Acervo de Tate Colletion/Londres/Londres
Nos anos iniciais do século XVIII, o termo “sporting” era usado para designar as atividades de diversão que a gentry realizava no campo, comumente com o uso de animais: especialmente corridas de cavalo e caça, mas também a pesca e, algumas vezes, brigas de animais, estas de caráter mais popular. Muitos foram os quadros que expuseram tais costumes sob a insígnia de esporte.

Uma bela obra que bem representa um desses costumes é “Membros do Carrow Abey Hunt”, de Philip Reinagle, (1780, óleo sobre tela, 11,7 x 15,5 cm; acervo de Tate Colletion/Londres/Londres), que retrata uma conversa de distintos cavalheiros, membros de um clube de caça; ainda compõe a cena seus cães farejadores.



Trata-se de uma clara imagem do novo estilo de vida “esportivo”, comum entre os privilegiados economicamente. Esse artista, aliás, pintou muitos outros quadros com temas semelhantes.

Outra atividade comumente retratada foi a caça à raposa. Em “A caça à raposa do Conde de Darlington” (1805), de John Nost Sartorius, vemos o futuro primeiro Duque de Cleveland cercado de correligionários e cães, preparando-se para mais um dia de atividade na sessão de 1804/1805.


Essa busca do campo para atividades de diversão tinha sentidos simbólicos claros: era um elemento de status e distinção, não acessível a todos, nem mesmo a uma parte da burguesia. Os quadros do século XVIII, contudo, também retratam outras atividades menos apreciadas pelas elites e de maior popularidade entre outras camadas sociais. Por exemplo, é de se destacar o grande número de quadros de James Pollard em que os galos de briga são os personagens centrais, retratados como verdadeiros esportistas. Esse é o caso de “Herói de Yorshire” (1792).



Outro artista cuja obra é de grande interesse para pensarmos essas práticas populares é Samuel Henry Alken. Destacamos “Luta de touros” (c.1800) e “Luta de ursos” (c.1800).





Na verdade, Samuel estava longe de exaltar essas atividades e procurava expressar a crueldade que existia ao seu redor. Devemos lembrar que seu pai, Henry Thomas Alken, também pintor e seu professor, chegou a escrever, em 1825, o livro Os esportes nacionais da Grã-Gretanha, fartamente ilustrado, no qual comenta e critica essas antigas formas de diversão. Os Alkens produziram muitas gravuras, grande parte delas com tom irônico, exibindo e contestando vários aspectos das brigas de animais.

Esse olhar tem relação com o aumento de iniciativas de controle, diretamente relacionadas à configuração dos novos sentidos e significados da modernidade ligados aos interesses da consolidação do capitalismo, ao novo formato do espaço urbano (a cidade industrial), à ideia de autocontrole tão propagada no âmbito do espírito Vitoriano.

A partir de 1835, as brigas de animais se tornaram ilegais na Inglaterra, mas, de fato, elas persistiram durante muitos anos depois. As práticas tradicionais não foram eliminadas de uma hora para outra, até mesmo porque faziam parte do cotidiano e de uma tradição eminentemente masculina, não poucas vezes também atraindo e envolvendo indivíduos das elites. Algumas lutas, como o boxe, ainda que bastante modificadas nesse processo, ainda mantém marcas desse passado mais distante.



Enfim, a construção de um novo modelo de sociedade e de cidade, as tensões acerca das definições de novos símbolos sociais, passava pelas atividades de lazer e por aquilo que era considerado, ou não, como esporte, que adquiriria novos formatos no decorrer do século XIX, já próximos do que hoje entendemos como tal, isso é, mais “civilizado”.

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